Seis Estados do Sul e Sudeste planejam aumentar ICMS para proteger arrecadação da reforma tributária

Carta conjunta foi assinada por secretários de Fazenda do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Paraná.

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Secretários de Fazenda de seis Estados das regiões Sul (PR e RS) e Sudeste (ES, MG, RJ e SP) se manifestaram, em uma carta conjunta, indicando que irão aumentar a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) como forma de preservar suas receitas.

O movimento ocorre em vista às possíveis mudanças decorrentes da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que trata da reforma tributária dos impostos sobre o consumo (PEC 45/2019) pelo Congresso Nacional. O texto ainda está em tramitação.

“A PEC 45/2019 (…), além de reduzir significativamente a autonomia tributária dos Estados e Municípios brasileiros, consagrou um mecanismo de distribuição do produto arrecadado com o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que vem induzindo os Estados a um movimento generalizado de elevação das atuais alíquotas modais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), tributo que será extinto em 2033, mas cujos efeitos, sob o prisma da transição federativa, se farão sentir até 2078”, diz o documento.

“A arrecadação dos Estados com o ICMS nos próximos 5 anos condicionará, em significativa medida, as suas receitas tributárias nos 50 anos subsequentes, configurando-se um forte incentivo para que aumentem a sua arrecadação entre 2024 e 2028, por exemplo, mediante a realização de programas de recuperação de créditos tributários ou aumentos de alíquotas modais de ICMS”, prossegue.

A carta é assinada por Samuel Kinoshita, secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo; Leonardo Lobo, secretário de Fazenda do Rio de Janeiro; Benicio Costa, secretário de Fazenda do Espírito Santo; Gustavo Barbosa, secretário de Fazenda de Minas Gerais; Renê Garcia, secretário de Fazenda do Paraná; e Priscilla Maria Santana, secretária da Fazenda do Rio Grande do Sul.

Na semana passada, o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), apresentou uma proposta de aumento de alíquota em seu Estado, para 19,5%. Atualmente, o valor é de 17%. O documento divulgado, no entanto, não indica quais seriam as novas alíquotas dos outros entes.

O aumento das alíquotas de ICMS requer anterioridade (ou seja, aprovação ainda em 2023 para valer no ano seguinte) e noventena − o que na prática faz com que os efeitos das medidas sobre os preços só possam ser sentidos entre fevereiro e abril de 2024 (a depender da data de aprovação pelos respectivos legislativos locais).

A atual alíquota dos Estados envolvidos varia de 17% (casos de Espírito Santo e Rio Grande do Sul) a 19% (situação do Paraná). Isso significa que os aumentos devem ir de 0,5 ponto percentual a 2,5 p.p., caso a nova alíquota fique no teto de 19,5%.

Os governadores entendem que, pelo texto em discussão no Congresso Nacional, a participação de cada unidade federativa na distribuição do total arrecadado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) − que substituirá o ICMS e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) − vai depender, nos 50 primeiros anos de vigência do novo sistema, da arrecadação média de cada ente subnacional nos próximos quatro anos.

“Desse modo, quanto maior a arrecadação de um Estado com o ICMS nesse período, maior será o fluxo de recursos do IBS a ele destinado até 2078”, diz trecho da carta.

No documento, os secretários também lembram de decisão federal tomada em 2022 que estabeleceu um teto para a alíquota do ICMS cobrado para serviços considerados essenciais − o que reduziu a capacidade dos entes de gerar receitas e culminou em um acordo bilionário com o atual governo.

“Esses dois fatores associados são um forte incentivo para se rever, em âmbito estadual, a dinâmica de arrecadação do principal imposto da Federação. Por isso, a larga maioria dos Estados das regiões Norte e Nordeste do país aumentaram recentemente as suas alíquotas modais de ICMS, enquanto a maior parte das unidades federadas das demais regiões não realizou movimento semelhante”, argumentam.

“Nesse quadro, os Estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, além de permanecerem com desequilíbrios financeiros causados pelas alterações em leis federais em 2022, receberão relativamente menos recursos do IBS, mesmo que a maior parte da arrecadação do novo imposto ocorra em seus territórios”, observam.

Desta forma, os secretários das regiões Sul e Sudeste sustentam que “as circunstâncias impõem” que tais unidades federativas reposicionam as suas alíquotas modais de ICMS para recompor a tributação estadual no curto prazo e para neutralizar as perdas potenciais com a futura distribuição do produto arrecadado com o IBS.

“A recomposição da arrecadação é imprescindível para que os cidadãos das regiões mencionadas possam ter Estados com recursos compatíveis com suas necessidades e capacidades de contribuir com a Federação. Cuida-se, pois, de medida vocacionada a preservar os erários estaduais, garantir as bases para o crescimento econômico e assegurar as condições para a execução de políticas públicas necessárias ao atendimento das demandas, dos direitos e garantias fundamentais da presente e das futuras gerações”, concluem.

A manifestação pode influenciar os debates sobre a proposta de reforma tributária dos impostos sobre o consumo, que voltou para a Câmara dos Deputados após passar por alterações no Senado Federal. A expectativa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é que o texto seja promulgado pelo Poder Legislativo ainda em 2023. Para isso acontecer, é necessário que as duas casas legislativas aprovem a mesma versão no mérito, com maioria de 3/5 em cada votação.

Inflação

Segundo cálculos da equipe de análise macroeconômica da XP Investimentos, a medida tem impacto potencial de 10 pontos-base sobre a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no caso de bens administrados, considerando o efeito sobre energia elétrica e telecomunicações, que deve ter repasse integral. Vale destacar, contudo, que os combustíveis, por estarem sob o regime ad rem (ou seja, com valores fixos, e não percentuais em relação aos preços).

Além disso, eles esperam impactos sobre bens comercializáveis, que têm participação de 31,7% na cesta do IPCA. Considerando os pesos de cada Estado no índice e as respectivas altas esperadas para o ICMS, o impacto máximo em comercializáveis seria de 39 pontos-base em 2024 − o que equivaleria a um total de 0,49 pontos percentuais em conjunto com os bens administrados.

“Adotando a premissa de que automoveis, itens de higiene pessoal e alimentos da cesta básica, entre outros, não entrarão na conta e que haverá um repasse de 50% do imposto em comercializáveis que restaram (peso de cerca de 20,8% no IPCA nos estados que seriam afetados pela medida), partiremos da premissa, por ora, de que a medida gerará um impacto de 24 pontos-base no IPCA do ano que vem”, avaliam os especialistas.

Sendo assim, a casa já espera um “forte viés de alta” sobre sua projeção inicial de inflação de 3,9% para o ano que vem − fator que pode levar uma pressão adicional ao Banco Central, que já indica preocupação com o andamento do debate fiscal e a dinâmica da política monetária nas economias desenvolvidas.

A estrategista de inflação Andréa Angelo, da Warren Rena, também trabalha com uma estimativa de piso de 8 a 10 pontos-base apenas com o efeito direto em energia e telecomunicações, mas ainda não tem projeção para o caso dos preços livres, tendo em vista o elevado volume de exceções setoriais e regionais.

Ela alerta, ainda, para a possibilidade de o movimento coordenado de aumento do ICMS motivar uma rediscussão, pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), da alíquota ad rem da gasolina.