A influência política nas aulas de Português

A educação, ao contrário do que muitos pensam, ou querem nos fazer pensar, não é neutra. Haverá sempre uma influência da parte interessada.

Iniciamos este texto com uma situação bem comum nas aulas de Português. Você se propõe a estudar as regras gramaticais sobre um determinado assunto (acentuação, concordância, crase ou outro de sua preferência); vira a folha da gramática ou do livro didático e eis o motivo do seu colapso: para cada regra, há várias exceções. Além disso, você precisa memorizar um catálogo de nomes esquisitos (adjunto adverbial, advérbio, predicado verbal, entre outras bizarrices), bem como aplicá-lo de forma mecânica e correta a frases soltas para demonstrar conhecimento.

Os resultados
A consequência disso tudo é que, infelizmente, muitos alunos desistem da disciplina ou só estudam o mínimo para serem aprovados. Na verdade, esse “castigo do monstro” compõe um perverso projeto político-pedagógico: fazer com que a menor quantidade possível de pessoas desenvolva plenamente a leitura e a escrita.

Vejamos
⦁ Essa língua estranha ensinada na escola ainda predomina em certos textos acessados cotidianamente: contratos, atas, certidões, entre outros. Capacitar TODOS os estudantes não só para compreender essas (e outras) formas textuais, mas também para produzi-las, caso necessário, é uma das metas básicas das aulas de Português, segundo Silvia Vieira (2017).

⦁ Mas será que, num sistema capitalista, é vantajoso que TODOS – inclusive, as classes trabalhadoras – saibam ler e escrever com desenvoltura? É óbvio que não; porque isso dificultaria a opressão das últimas pelos empregadores. Um exemplo prático: como um patrão mal-intencionado vai explorar um funcionário, exigindo dele mais funções do que as estabelecidas formalmente, se o colaborador sabe ler e interpretar com maestria o contrato de trabalho assinado entre eles?

⦁ A educação – ao contrário do que muitos pensam (ou querem nos fazer pensar) – não é neutra. As elites controlam a escola e, por consequência, o que ocorre nela de acordo com o filósofo da educação Cipriano Luckesi (1994), de sorte que tais segmentos sociais priorizam listas exaustivas de exceções, assim como a mera classificação morfossintática para que alunos (especialmente das camadas populares) concluam os estudos sem proficiência na leitura e na escrita ou evadam das instituições escolares, por acharem que estão desperdiçando tempo e dinheiro.

⦁ Nesses cenários, as camadas favorecidas socioeconomicamente alcançam geralmente sua meta final: formação de uma mão de obra fácil de ser manipulada, resultante de uma educação deficitária. Em contrapartida, as crianças e os jovens que dispõem de condições financeiras usufruem de um ensino de qualidade, mediante o qual são preparados tanto para produzirem quanto compreenderem produções textuais com excelência, a fim de perpetuarem a exploração dos trabalhadores pela língua.


Busto no Gabinete Português de Leitura  –  Foto: Jonathan Borba

O ensino da Língua de Camões, hoje, deve ser acessível às massas, pois constitui um dos caminhos para que seja rompida a dominação delas pelos empregadores e para que os dicursos políticos sejam bem compreedidos pelos eleitores, sem exclusão social. Ora, não pode prevalecer a sensação de que Português é muito difícil ou, pior, que quase ninguém tem um domínio sobre ele, conforme atesta o estudioso Mário Perini (2000).

 

 

Referências
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.
PERINI, Mário Alberto. Sofrendo a gramática: ensaios sobre a linguagem. São Paulo: Ática, 2000.
VIEIRA, Silvia Rodrigues. Três eixos para o ensino de gramática. In: VIEIRA, Silvia Rodrigues (org.). Gramática, variação e ensino: diagnose e propostas pedagógicas. Rio de Janeiro: Letras UFRJ, 2017, p. 64-82.

 

Kleveland Cristian Barbosa, da @verum_redacoes
Harrison S. Silva, do Portal Política

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