Falar-se do combate à corrupção já é considerado um verdadeiro cacoete da classe política brasileira há mais de um século, a ponto de, na maioria das vezes, ser considerado um discurso vazio pela população. Já estamos resignados com o descalabro. Desde o Império se prega a urgência de extirpar do Brasil a cultura do tomar para si o que é coisa pública. Mas, na verdade, nesse tempo todo avançamos muito pouco nesse sentido. Entra ano, sai ano, os escândalos de corrupção, de magnitudes variadas, se sucedem. Não são nenhuma novidade, infelizmente.
Para mim, foi uma enorme surpresa dar-me conta de que a expressão “combate à corrupção” sequer é mencionada no texto de nossa Constituição Federal. A Carta que fundou o Brasil que conhecemos hoje ignora por completo a existência de uma das suas piores mazelas e a necessidade de extirpá-la da cultura de nosso povo. Foi por isso que, ao me tornar senador da República em 2019, de pronto apresentei a Proposta de Emenda à Constituição (Pec) 30/2020, que acrescenta o combate à corrupção entre os fundamentos da República enumerados no Artigo 1º da Constituição Federal.
Uma reinterpretação do Poder
Não se pode dizer, contudo, que a maioria valorosa de brasileiros que abomina a corrupção não tenha, em vários momentos da nossa história, tentado reagir a esse estado de coisas. Mais recentemente, tivemos a atuação heroica de membros do Ministério Público, da Polícia Federal e do Poder Judiciário na Operação Lava-Jato. Em suas dezenas de fases, a operação foi revelando um grandioso esquema de corrupção que minava recursos públicos e os direcionava aos bolsos de partidos políticos e de pessoas públicas. Vários foram presos, bilhões foram restituídos aos cofres públicos.
Infelizmente, hoje a Operação Lava-Jato vive apenas na memória do povo que sonhou que um dia a honestidade e a seriedade no trato da coisa pública de fato viriam ao Brasil. Com tantos poderosos presos e acossados por processos, o sistema que sustenta a corrupção que destrói o nosso país não hesitou em mostrar o seu rosto e socorrer os seus líderes. Um a um, os processos judiciais decorrentes da Lava-Jato foram sendo invalidados e os que estavam presos, cumprindo penas justas e devidas, foram soltos. Hoje, até mesmo se fala em devolver aos ladrões o dinheiro que foi recuperado.
O último prego do caixão da Operação Lava-Jato foi a decisão recente do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que invalidou as condenações que foram aplicadas a José Dirceu. Trata-se de um político de trânsito fácil e interferência na classe política brasileira, condenado não só na Lava-Jato, mas também no escândalo do Mensalão, que abalou a República nos anos 2000. A sua forma desonesta e interesseira de fazer política já lhe rendeu uma série de condenações. Ele é uma figura já conhecida nas penitenciárias do país.
Ao ver coisas assim acontecerem, fico me perguntando qual seria, afinal, a mensagem que o STF tenta passar para a população a que deveria servir. Que bem seria esse que julgam fazer ao Brasil os ministros que protegem a corrupção e desfazem os poucos e raros feitos de Justiça em nosso país? Qual seria esse projeto de nação que essas pessoas tentam aplicar nessa terra já tão flagelada pelo patrimonialismo e pela corrupção que travam o desenvolvimento brasileiro? Que pune o povo com o sucateamento dos serviços públicos de saúde, de educação, de segurança?
O Brasil não vai conseguir alcançar o posto que almeja entre as nações desenvolvidas do mundo enquanto não olhar com a seriedade devida para o problema da corrupção que está entranhada nas suas instituições. Essa mudança tem que partir do povo, que elege os políticos que conduzem o país. E já se percebe, na indignação crescente que se vê nas ruas, que a cultura de tomar para si o que é público já não é mais tolerada. Tenho esperanças de que os líderes da nação, nos três Poderes, percebam a tempo esse anseio do povo e, de fato, construam um Brasil justo e honesto para nossos filhos.
O artigo foi escrito pelo senador da República Marcos do Val e editado pelo jornalista Harrison S. Silva