Regulamentação da IA exige foco na centralidade humana

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Durante audiência pública nessa semana no Senado Federal, senadores e especialistas defenderam que o projeto de lei que busca regulamentar o uso de inteligência artificial (IA).

O debate, promovido pela Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), apontou ainda como desafio a elaboração de uma norma equilibrada capaz de oferecer segurança jurídica sem implicar limitações para o desenvolvimento da educação, da tecnologia e na criação de novos negócios no país. O PL 2.338/2023 tramita na CTIA, é relatado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO) e teve origem no anteprojeto apresentado por uma comissão de juristas.

Os senadores

O senador Marcos Pontes (PL-SP) ressaltou a importância de se apresentar um marco regulatório para o setor, a exemplo do que está sendo feito em outros países, mas ponderou que a norma legislativa não pode se impor como um limitador ao desenvolvimento tecnológico no país. “Você não consegue contornar ou prever [os efeitos da IA], até mesmo porque essa tecnologia está em desenvolvimento, nunca vai ser possível criar uma coisa preditiva, de imaginar como vai ser essa tecnologia, mas nós podemos imaginar situações de uso, porque aí, dentro da correspondência e das necessidades de proteção do ser humano como o centro de tudo isso, a gente pode sim colocar os devidos cuidados.  O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) também manifestou receio de o Brasil ficar para traz em relação a inovação tecnológica, caso o projeto venha a generalizar as responsabilidades de efeitos que ainda não são conhecidos. “A gente já começou essa discussão da regulamentação no campo jurídico. Ora, como fazer essa regulamentação se a gente nem sabe ainda o que é, agora é que está se desenvolvendo”, afirmou o parlamentar de Brasília

Dever ter transparência

Na avaliação de outras especialistas, o Brasil pode se tornar uma grande referência no campo trazendo nesse primeiro marco legal regras que assegurem um sistema comprometido com a transparência. O PL deve trazer obrigações específicas para o fornecimento de informações acessíveis e compreensíveis a respeito do impacto ambiental para o treinamento e funcionamento dos sistemas. E deve ter, no mínimo, informações sobre consumo de energia, sobre os equipamentos usados e onde são hospedados os dados.

Responsabilidades

Outros debatedores manifestaram preocupação com a possibilidade de o novo marco acabar colidindo com outras legislações já existentes, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD — Lei 13.709, de 2018), o Marco Civil da Internet, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, e acabar gerando insegurança jurídica. Na avaliação do conselheiro nacional do Ministério Público (CNMP), Rodrigo Badaró, o Brasil pode, sim, se espelhar na regulamentação já feita por outros países, mas deve colocar como base as particularidades da realidade ética, cultural, social e econômica brasileira.

O saber

Ainda como contribuição ao texto, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Netto Parentoni disse que é preciso levar em consideração o grau de precisão e redução de risco para que a atividade humana seja substituída pela IA. Na sua avaliação, quanto maior a substituição da atividade humana pela inteligência artificial, maior deve ser o rigor da legislação para quem está no controle dessa decisão.

Ele deve ter um nível maior de previsibilidade na lei porque não é o ser humano quem toma as decisões, é o veículo. Portanto, para casos de maior risco, exige-se maior transparência, acurácia e explicação. E podem ser proibidos determinados acordos comerciais. E no sentido contrário, não me parece fazer sentido que a legislação intervenha em sistema de inteligência artificial que apenas recomendam, mas que não substitui a decisão humana. Intervir nesses casos, seria sufocar ainda mais as pequenas e médias empresas brasileiras que lutam com muita dificuldade para se manter no trabalho e que, ao final do dia, o sistema que elas proporcionam apenas recomenda, mas não substitui a decisão humana.

Discriminação algorítmica

Para a coordenadora de pesquisa do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris), Fernanda Rodrigues, a regulamentação da IA precisa ir além das questões de princípios e valores. Ela deve se basear, segundo a especialista, em riscos e problemas específicos do Brasil como o histórico escravocrata do país. Segundo ela, esse passado ainda reflete de forma negativamente em alguns sistemas, como o penitenciário e o de segurança pública do país. Nesse sentido, ela defendeu que os debates busquem compreender o que pode e o que não pode ser automatizado, de acordo com impacto prejudicial para grande parcela da população.

Questões laborais

Noutra frente, especialistas defenderam maior atenção dos parlamentares para a determinação de parâmetros que possam definir as formas de gerenciamento de trabalho via algoritmo. Num contexto da IA generativa [tecnologia com capacidade de aprender padrões complexos de comportamento a partir de uma base de dados], por exemplo, a gente sabe que eles usam mão de obra humana para realizar tarefas, catalogação de dados, moderação de conteúdo mediante remuneração e condições de trabalho degradantes. Então além de ser remuneradamente insatisfatório, esse tipo de trabalho afeta a saúde física e mental das pessoas já que elas são submetidas, por exemplo, a analisa conteúdos ofensivos e violentos. E, por outro lado, há trabalhadores que dependem de sistema de algoritmo para exercer suas funções como no caso a plataforma Uber.

 

Fonte: Agência Senado

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